top of page

Capítulo 21

casal indigena2.jpg

   Agora apareceu o Galdino com urna história. Mas não para a professora; é uma história comigo. Disse que me ama, que sempre me amou, que um dia quer casar e ter filhos, me chamou várias vezes de "minha cunhã". Desta vez a coisa está ficando um pouco complicada. Eu já vinha notando que Felício e ele se falavam menos. Resolvi conversar seriamente. Abri o jogo, falei para Galdino que, fora a Fabi, os três eram os meus melhores amigos, mas que eu tinha um interesse por Felício. Galdino ficou com lágrimas nos olhos. E não deve ter entendido. Acha-se o mais bonito, e o Felício, de fato, é mais feio. Galdino ficaria bem com Ellen Marinalva. Ela tem o cabelo pintado de louro, sei que ele gosta desse tipo.

     Juro que vou hoje de tardinha pedir conselhos sentimentais à margem do rio.

      A professora me olhou com ternura quando pedi desculpas pela reação destemperada do outro dia. Parecia surpresa, disse "não foi nada, não foi nada, está tudo bem, Ana". Sua reação me incomodou um pouco, Elza calou mais do que falou, fiquei com todo o peso e a culpa nas costas. Ela ganhou a disputa.

      Só na última quarta-feira pude ver Fabiana Suzan e relatar tudo. Fabi disse que, se fosse ela, não teria pedido desculpas. Nessa quarta-feira os cabelos dela estavam mais louros do que nunca.

      Felício veio me dizer que rompeu definitivamente o namoro com Ellen Marinalva. Chegou de óculos novos. Trocou o de armação de plástico marrom por um de aros dourados. Lembra o professor do Rio. Aliás, a professora disse que o mestre do Rio de Janeiro é um dos que leram os meus trabalhos e redações escolares. Galdino e Josimar também pensam trocar seus óculos. Puseram os novos do Felício em mim. Começaram a rir, não sei por quê. Acharam que eu fico com a cara da professora, só que jovem e com cabelos pretos.

      Dona Elza confirmou que muito em breve será inaugurada a nova escola. Virão autoridades de Brasília e de todas as capitais amazônicas. Várias organizações estrangeiras também confirmaram presença. Ela deu certeza, ainda, que especialistas de São Paulo, do Rio de janeiro e até dos Estados Unidos analisaram cópias dos meus trabalhos escolares. Gostariam de publicar algumas redações daquela época. Mas, principalmente, e caso eu concorde, querem publicar a história sobre o jacaré e a jiboia. Pensei em retrucar que só ela e o professor do Rio tinham visto, e mesmo assim, algumas pequenas passagens. Mas deixei pra lá. Tinha prometido mostrar trechos da história para ela. Acontece que havia capítulos em que ela própria vinha citada. Não dava. Propus, então, como se nada fosse, que, se ela quisesse, eu leria alguns episódios dos capítulos do caderno em voz alta no final da aula. Ela aceitou.

      Li várias partes. Ela ficou como que hipnotizada. Olhava extasiada, repetia algumas palavras em inglês. Sua reação me encabulou. Eu disse que estava atrasada para uma consulta com o médico da organização missionária e pedi para me retirar. Ela mal respondeu. Só sorria. As palavras em inglês e o seu ar embevecido foram embora comigo pela estrada. Das árvores vinham assobios e gorjeios de pássaros. Desta vez vou abrir mesmo o próximo capítulo com essa melodia.

     Fico feliz por um lado, preocupada por outro, com tudo o que está acontecendo comigo. Dá vontade de me transformar em rã e me esconder dentro de um lago.

      Acordei enjoada. Não sei se foi a macaxeira meio estragada que comi antes de deitar. Mamãe contava a lenda de Mani, desde então evito comer macaxeira. É a lenda de uma jovem virgem que, um dia, apareceu de barriga inchada. Do ventre da jovem índia nasceu uma menina branca como a garça e falante como o papagaio. A menina viveu muito pouco e foi enterrada dentro da própria oca da tribo. A sepultura era regada todos os dias até que, da sepultura, brotou urna planta. Passado algum tempo as raízes da planta romperam a terra e os índios, desde então, se alimentam dessas raízes. Nem mandioca frita, que a Fabi tanto adora, consigo comer com prazer.

MANIGIF.png
bottom of page