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Capítulo 7

    É engraçado. Dá a impressão de que, para a professora estrangeira, a gente tem que ser necessariamente burro. Os rapazes me aconselharam a deixar pra lá, a não ficar magoada com a desconfiança sobre a minha história. "O texto é seu mesmo, Ana?" "Não, é da senhora, sua engraçadinha", eu poderia ter dito.

     Eles, os meninos, também resolveram entregar um capítulo, mas, pelo jeito, a história deles não agradou muito, a professora só disse "não é exatamente isso que eu havia pedido. Tentem ser mais autênticos". Realmente, eu li o que eles escreveram. Falava mais de motos, revólveres, assassinato, discoteca, corrida de carro e futebol. Copiado da televisão. E engraçado, porque eles próprios tinham dito que a gente só podia mesmo escrever sobre floresta e bichos. Segundo Josimar, a professora acha que, por sermos índios, faltam-nos inteligência e preparo. Nossa produtividade escolar só pode ser fraca. Ela devia saber que a nossa escolarização formal foi mesmo complicada, é verdade. Alguns entraram tarde na escola Marechal Rondon. Mas somos iguais a todo mundo. Galdino acredita que ela é capaz de publicar as nossas histórias nos Estados Unidos com o nome dela. Verdade ou não, acho que não vou continuar. Quer dizer, vou continuar a escrever, mas não sei se vou devolver o caderno no final das aulas.

   Hoje a aula foi sobre a história da humanidade, descoberta da América, a relação entre o descobridor e o índio. A professora explicou que não se deveria chamar os portugueses de descobridores, pois os índios já estavam aqui há tempos. Mais correto seria referir-se a encontro de dois povos e de duas civilizações. Nesse ponto ela foi justa. Disse que os europeus cometeram barbaridades quando aqui chegaram no final do século XV e início do XVI. Dizimaram milhões de índios e que agora deviam pelo menos pedir desculpas. A minha bronca da professora diminuiu um pouco.

    Fabi foi despedida cio mercadinho onde trabalhava de caixeira. Com um filho ainda bebê, não vai ser fácil tocar a vida. O pai do menino foi embora para Manaus. Dei a ela a cesta de mantimentos que recebi da missão.

        

  Felício tem faltado às aulas. A professora nos perguntou a razão. Josimar respondeu de pronto que era justamente por causa do trabalho que a professora havia pedido. Mentira. O Felício anda enrabichado pela filha do vigia noturno da serraria. Vivem aos beijos. O lugar preferido dos encontros dos dois é na beira do rio. Ele já tinha me feito mil propostas, um dia pegou na minha mão e apertou. Eu só disse "toma jeito, Felício". Mas gosto dele.

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      Os cafunés das maracanãs na fronde das árvores até que podiam ser copiados por nós dois. Vou começar assim o próximo capítulo.

    Josimar teria ouvido uma conversa entre a professora e um representante da organização missionária sobre as minhas provas e redações desde a escola primária. Não foi bem o Josimar. Alguém ouviu e lhe contou. Estariam aguardando com impaciência esta história que estou escrevendo. Deixam-me propositalmente à vontade, pois a redação não pode ser forçada, deverá sair de mim mesma, e — parece — querem estudá-la nesse estado "natural". Josimar não entendeu bem, mas que, segundo ele, tem alguma coisa com o meu texto, tem! O quê, ele não sabe; nem eu.

     Galdino me convidou para fazer um passeio de canoa, ir até a outra margem. Alguém lhe emprestara uma ubá de casca de jatobá, típica da região. Ele diz que sabe remar em pé e tudo. Recusei o convite. Não sei se nesse dia ele teve crise de identidade ou o quê. Trazia urna enorme trombeta de cuia, que tentava tocar. Ia deixar o instrumento musical como decoração no galpão da serraria. A professora concordou. Josimar perguntou, com ironia, por que não estava usando braçadeira de pena de papagaio e cocar de pena de arara.

  Consigo manter com dificuldade o entrelaçamento da lenda ouvida em criança. Lendas dos povos indígenas de toda a região amazônica vão despontando. São Jaminawa, Kaxinawa, Kampa, Apalai, Arará do Acre, Apurinã, Parintins, Waimiri, entre tantas outras. Amores sonhados em noites maldormidas retornam, tento vencê-los, devo recusá-los por estar acordada? Histórias da Fabi e seus namoros se misturam na minha cabeça com as lições sobre a vida, os sentimentos e as relações humanas incansavelmente explicados por irmã Gicélia. Pedaços inteiros da minha vida no internato das irmãs vão rompendo regularmente o cenário verde e abafado da memória.

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